O que podemos esperar do filme sobre a vida e carreira de Elton John
Está quase a chegar "Rocketman", o filme sobre a vida e carreira de Elton John.
Os trailers já andam aí e deixam muitas indicações positivas. A história do Captain Fantastic tem um potencial cinemático gigante, ou não fosse uma das histórias mais selvagens saídas dos loucos anos 70. Espero que esse potencial seja aproveitado.
A expectativa geral é que "Rocketman" seja o "Bohemian Rhapsody" de 2019, pelo menos no que ao sucesso diz respeito. E de facto, há muitos paralelismos entre os dois filmes. Começando logo pelo realizador — Dexter Fletcher foi o mesmo que assinou "Bohemian Rhapsody", embora tenha substituído Bryan Singer (afastado devido a acusações de pedofilia) já no fim do projecto. Curiosamente, também em "Rocketman", Fletcher aparece para terminar o trabalho de um outro realizador – Michael Gracey, que saiu há um ano do filme. Como é óbvio, o sucesso de "Bohemian Rhapsody" leva a que a equipa de Elton tenha esperanças que o mesmo frenesim possa ser replicado para "Rocketman". Eu, pela minha parte, espero que seja muito melhor. Neste momento, do que já sabemos do filme, há bons e maus indicadores. E os maus são precisamente aqueles que o aproximam de "Bohemian Rhapsody".
Embora a presença de Fletcher no comando do projecto não augure grande coisa, eu mantenho-me positivo para "Rocketman". Espero que seja um filme bem diferente. Confio em Elton John para contar a história como ela foi, suja, sem filtros, nem disneyficações. Confio mais nele do que, por exemplo, no nosso astrofísico favorito, o Dr Brian May – que, como sabemos, gosta de tudo muito limpinho. Um bom presságio disto mesmo é saber à partida que o filme será
R-Rated "devido a cenas de sexo e drogas" e por isso deverá chegar às nossas televisões com bolinha vermelha. Se é para contar a história, é para contar história com os detalhes sórdidos. Vamos a isso.
Por outro lado, o filme está a ser publicitado como "uma fantasia baseada numa histórica verídica". Isto é uma jogada brilhante de Elton (e aqui sublinho que Elton John é um homem muito, muito inteligente) que lhe dá liberdade automática para mexer com os factos a seu bel-prazer na estrutura do filme, trocando eventos cronologicamente, sem que mais tarde corra o risco de ser chamado à atenção pelos fãs (como eu), sempre atentos aos detalhes históricos. Não que ele precise de mexer muito, uma vez que a história real de Elton desenrolou-se como se de um drama do fantástico se tratasse. Outra maneira de ver este disclaimer é a total isenção de responsabilidade no que quer que seja retratado no filme. Isto é, Elton não tem que dar explicações sobre aqueles detalhes sórdidos que aparecerão, uma vez que podem, eventualmente, fazer parte da fantasia. Boa. Elton já avisou que o filme não será um biopic, por isso pode sempre dizer que o que vimos no ecrã não corresponde necessariamente ao que acontece.
Outro bom presságio é a escolha do actor. Taron Egerton é um fã de facto de Elton John e é ele quem vai cantar as canções. E que vozeirão tem ele. Como fã de pequeno, Ergeton estudou a música, estudou os trejeitos e estudou a persona de Elton desde sempre. É como se tivesse preparado o papel toda a uma vida. Será assim muito mais natural transportar o verdadeiro Elton para o ecrã. Não só aquele que vemos no palco, mas também aquele que vemos por trás das cortinas. Veremos como ele se dá.
Isto obviamente em oposição a Rami Malek, que estudou Freddie durante uns meses e acabou por fazer uma representação de um meme com a profundidade de um fontanário, tendo ganho o Oscar à custa do trabalho de um dentista.
Quanto à história (escrita por Lee Hall), "Rocketman" deverá seguir as mesma linhas gerais de "Bohemian Rhapsody". Tal como Bo Rhap, também começa com o anti-herói. Se Freddie era o emigrante que transportava bagagem em Heathrow, o pequeno Elton era o miúdo baixinho, gordinho e menos popular da escola. Depois, segue-se a transformação física e subida ao estrelato, seguida da queda e no fim, o renascimento e o triunfo. É esta a fórmula, mais evento trocado, menos evento trocado.
Há um ano
adivinhei o plot do "Bohemian Rhapsody", por isso aqui vai a minha aposta (com um misto de wishful thinking) para o que eu espero do filme mais esperado de 2019. Espero que não se importem que eu ponha em palavras.
Acto 1: "Your Song"
Tudo começa em Pinner, Watford, no norte de Londres. Reginald Dwight é um miúdo baixinho e gordinho dos subúrbios. Devido à sua compleição física e enorme timidez, Reggie está longe de ser o rapaz mais popular da escola, revelando muitas dificuldades em comunicar com os outros. É apenas quando recebe um piano pelo Natal, que o pequeno Reggie encontra o seu veículo de comunicação.
Reggie rapidamente desenvolve a sua aptidão no piano e com isso dá entrada na
Royal Academy Of Music, onde se revela um prodígio. À boleia do seu talento, Reggie começa a receber convites para trabalhar como session musician, tocando nos discos dos outros. Mas o seu grande desejo era fazer a sua própria música. Só que quando tenta voar sozinho, Elton dá de caras com um pequeno problema — a música era um meio onde a aparência importava e ele não tinha o sex appeal para competir com as outras estrelas que despontavam na altura.
E é aqui que nasce Elton John. Um rapaz com um enorme talento para o piano e um desejo secreto de atenção, muda o nome e tenta uma carreira a solo contra todas as expectativas que a sua figura apostava. Só precisava de alguém que o ajudasse a escrever as letras. Nisto, aparece o também jovem Bernie Taupin. Bernie e Reggie desenvolvem uma dinâmica sui generis. Trabalhando em separado, Bernie entregava as letras a Reggie e este compunha a música.
Vemos Elton a ter um momento de epifania na composição de "Your Song", um tema que muda para sempre o curso da sua vida.
Música Incidental: "Border Song" / "Skyline Pigeon"
Acto 2: "Take Me To The Pilot" (Live)
A carreira de Elton tem uma falsa partida no UK e por isso faz as malas para os Estados Unidos, onde tenta a sua sorte na cena up-and-coming da West Coast. Apesar de ser um quiet boy at heart, Elton reinventa-se para o público e constrói um personagem extravagante para apresentar ao público. A pouco e pouco, Elton começa a ganhar notoriedade e a construir uma reputação de animal de palco, com actuações vibrantes em bares de nomeada como o Troubador.
Vemos Elton a ser introduzido por Neil Diamond, numa noite de breakthrough que lhe vale excelentes críticas nos jornais. Contra todas as expectativas, Elton conquista os Estados Unidos.
Música Incidental: "Burn Down The Mission" (Live)
Acto 3: "Rocket Man"
Elton regressa ao UK e é recebido como um herói, onde muitos pensam que é um artista americano, num efeito bumerangue devido a ter tido sucesso primeiramente no US.
Devido à sua aparência extravagante e ao boom do Glam Rock que acontecia na altura no UK, Elton é conotado como um artista Glam Rock e por isso colocado na mesma prateleira que David Bowie, Queen e T. Rex. Pese embora Elton não se enquadre no mesmo paradigma, nem musicalmente, nem fisicamente. Os britânicos estavam confusos, mas isso não fazia diferença para o ambicioso Elton, que deste elan do Glam saca o êxito "Rocket Man". Elton estava preparado para lidar com o sucesso.
Música Incidental: "Tiny Dancer"
Acto 4: "Bennie And The Jets (Live)"
A carreira de Elton entra num ritmo frenético. Devido a um contracto discográfico insano, Elton lança dois álbuns por ano, todos os anos, com sucessivos ciclos de estúdio-promoção-estúdio-promoção que se prolongam pelos anos 70. Mesmo neste ritmo louco, Elton produz uma sequência de álbuns avassaladora — "Honky Château", "Don't Shoot Me I'm Only The Piano Player", "Goodbye Yellow Brick Road", "Caribou", "Captain Fantastic and the Brown Old Dirt Cowboy" e "Rock Of The Westies". Todos são atingem o Número 1 nas tabelas americanas, estabelecendo um recorde que (penso eu) se mantém até hoje. Todos terão menções céleres no filme, entre imagens de Elton a receber prémios de discos de ouro e platina, a divertir-se com as celebridades da altura e a actuar para estádios repletos nos Estados Unidos.
Vemos Elton a subir para o piano no Shea Stadium em Nova Iorque e no Dodger Stadium em Los Angeles ao som de "Bennie And The Jets", em cenas de CGI reminescentes do Live Aid do "Bohemian Rhapsody".
Elton tem no histórico Hollywood Bowl em Los Angeles o pináculo da sua carreira, actuando numa venue onde os Beatles tinham sido a única banda rock a tocar antes. Elton é introduzido por Linda Lovelace com pombas brancas a saírem de 5 pianos com as letras E L T O N . Elton John está no topo do mundo. A sua fome não tem limites.
Música Incidental: "Goodbye Yellow Brick Road" / "Crocodile Rock" (Hollywood Bowl)
Acto 5: "Someone Saved My Life Tonight"
Fast-Forward para os mid 70s e vemos Elton a viver uma vida de luxo e luxúria. Mas ao mesmo tempo que o vemos a fazer um dueto com Kiki Dee que conquista o mundo ("Don't Go Breaking My Heart"), Elton sente-se cada vez mais vazio e mais sozinho. É aqui introduzido o elemento da homossexualidade de Elton.
Vemos Elton em festas opulentas na sua casa, rodeado de sorrisos. A casa está cheia, mas ele está vazio, infeliz e fechado no armário da sua homossexualidade. Para tapar o vazio na sua vida, Elton afoga-se nas drogas. Numa esprial destrutiva, Elton tenta o suicídio várias vezes, mas é salvo pelo manager John Reid (esse mesmo, o manager que salvou os Queen depois de os conhecer naquela cena em Hammersmith no "Bohemian Rhapsody", que é neste momento uma
masterclass em mau cinema). Reid também é homossexual e encoraja Elton a experimentar livremente na sua sexualidade. Elton abraça a experimentação, mas sem poder exprimir-se publicamente, continua a sentir-se reprimido e cada vez mais sozinho.
Música Incidental: "Better Off Dead" / "Don't Go Breaking My Heart"
Acto 6: "Idol"
Estamos em 1976 e Elton começa a sofrer de burnout devido ao ritmo arrasador que a sua carreira tomou na década de 70, o que vai compensando com mais e mais droga. Depois de uma digressão americana que o deixa de rastos, Elton grava o duplo álbum "Blue Moves" – um disco muito mais dark que reflecte o estado de espírito da dupla Elton / Taupin, a precisar desesperadamente de um descanso. O álbum é um falhanço que obriga Elton a questionar a sua carreira e o seu estilo de vida.
Vemos Elton sozinho e deprimido, a pensar na vida, ao som de "Idol", um tema do álbum "Blue Moves" que conta a história que eu presumo que seja a base do enredo do filme.
Elton isola-se do mundo e depois de algum tempo recluso, em 1977 Elton John marca um concerto para a Wembley Arena, onde anuncia a sua retirada da música. Numa tentativa de quebrar com os vícios do passado, Elton rompe com a sua banda e com o seu companheiro de sempre da composição Bernie Taupin. O resultado é pior: Elton isola-se cada vez mais e sente-se cada vez mais sozinho.
Música Incidental: "Sorry Seems To Be The Hardest Word" / "Tonight"
Acto 7: "Ego"
Elton tenta sair do buraco e experimenta regressar aos discos, mas desta vez sem a sua equipa de sempre. O álbum "A Single Man" é o primeiro a ser gravado sem a presença da Elton John Band (Nigel Olsson na bateria, Davey Johnstone na guitarra, Ray Cooper na percussão e Dee Murray no baixo), nem a colaboração de Bernie Taupin nas letras.
Espero que seja dado tempo suficiente a esta fase para percebermos quem é Elton e quais os problemas por que passou. É preciso escavar um pouco mais a fundo na sua discografia, naqueles anos negros do fim dos anos 70 e início dos anos 80, para o perceber completamente. Esta fase é caracterizada na perfeição pelo single "Ego", uma canção amarga que Bernie escreveu para Elton e sobre Elton, antes de este correr com ele. Se ao longo dos anos, as letras de Bernie pareciam espelhar o que ele via em Elton, nada parece tão evidente como a crítica em "Ego", que obriga Elton a confessar os seus pecados na primeira pessoa. Elton percebe que Bernie lhe deu uma canção que o acusa de um ego desmesurado, mas numa decisão bizarra e muito, muito british, decide gravar o tema na mesma e até lançá-lo em single — é precisamente a última música da colaboração Bernie / Elton, antes da sua separação. O problema veio a seguir.
O álbum "A Single Man" é um falhanço comercial e o seguinte – "Victim Of Love" – ridiculariza Elton e deixa-o completamente descredibilizado como artista. Agora não é só o homem que vive dias difíceis, também a carreira do artista bateu no fundo.
Música Incidental: "Strangers" / "I Cry At Night"
Último Acto: "I'm Still Standing"
A entrada nos 80s são tempos de enorme infelicidade para Elton John. Elton continua a sentir-se sozinho e numa tentativa desesperada de sair do buraco, decide casar-se com a sua Engenheira de Som (isto só acontece em 1984 e aqui ainda estamos em 1983, mas hey, fantasia e tal). Apesar de gostar dela como amiga, Elton não lhe pode dar o que ela quer e a ao vê-la infeliz, é tomado por sentimentos de culpa e remorsos. Elton está perdido e mais uma vez afoga-se na droga e na bebida.
A salvação de Elton vem dos seus velhos amigos. Bernie Taupin e a Elton John Band regressam em força para o álbum "Too Low For Zero" e voltam a conquistar o mundo com o single "I'm Still Standing". Elton John está de volta!
Embalado pelo sucesso de "I'm Still Standing" e um sentimento de renascimento, Elton assume finalmente a sua homossexualidade, recupera a sua credibilidade como artista e todos são felizes para sempre.
Música Incidental: "I Guess That's Why They Call It The Blues"
FIM
Créditos: "Song For Guy"
Os créditos rolam ao som de "Song For Guy", enquanto vemos uma sequência de imagens com efemérides da carreira de Elton nas décadas seguintes, incluindo o triunfo monumental da banda sonora do "Rei Leão", os recordes da regravação de "Candle In The Wind" aquando da morte da Princesa Diana e os milhões de álbuns vendidos até ao anúncio da sua retirada no ano passado, com a digressão final "Farewell Yellow Brick Road".
P.S. : Na semana passada o
London Calling na NiTfm foi dedicado a "Rocketman", por isso se quiserem ouvir a história com a minha narração intercalada com as músicas da banda sonora, é só seguir este
link.
P.P.S. : Se forem mais de Spotify, têm a banda sonora completa
aqui. Enjoy.