quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Celebrar o Natal com as 10 melhores canções sobre homicídio

É Natal, é Natal, tralalalala. E estas são as 10 melhores canções sobre assassinatos.

Natal é tempo de paz, harmonia e daquelas playlists com canções que passam em centros comerciais para maximizar as vendas. E centros comerciais à pinha de gente a ouvir o "Adeste Fidelis" são lugares propensos a ideias desviantes. Tempo por isso para uma resenha de canções sobre homicídios. Não falo de referências metafóricas como a morte em "Bohemian Rhapsody" ("Mama, just killed a man..."), ou o afogamento que nunca aconteceu em "In The Air Tonight" ("if you told me you were drowning, I would not lend a hand"). Isto é homicídio, assassinato, supressão da vida. Percebem onde quero chegar.

10. Guns N' Roses — "Used to Love Her" (1988)



O homicídio como break up.

"I used to love her, but I had to kill her" — aquela vontade de enterrar a nossa amada sete palmos debaixo da terra. Quem nunca? E mesmo depois de ir de vela, "I can still hear her complain".

Na verdade, segundo Slash, o tema não é sobre uma ex-namorada de um dos Guns, mas sim sobre o cão de Axl Rose que estava doente e teve que ser abatido. Mas não deixemos a verdade intrometer-se no meio de uma história bem mais interessante, não é?

9. Eric Clapton — "I Shot The Sheriff" (1974) 



O homicídio como defesa.

O protagonista do tema de Bob Marley queria defender-se da acusação pelo homicídio do adjunto do Xerife e para isso... admitiu que baleou o próprio Xerife. Negar um crime, confessando outro — uma técnica sui generis de defesa, ou aquele charrito a mais. Para a próxima talvez seja melhor ideia planear a defesa só depois de passar o efeito da moca.

Marley era odiado pelo Xerife da cidade e embora defenda que não sabia porquê, admite que podia ter a ver com aquelas plantinhas que ele tinha a crescer lá no jardim. (na verdade, esta parte era sobre a pílula contraceptiva que a namorada tomava contra a vontade de Bob, mas mais uma vez a verdade não é tão interessante como a nossa imaginação)

Bob Marley escreveu "I Shot The Sheriff" em 1973 para o álbum "Burnin'" dos The Wailers. O álbum chegou a Eric Clapton, que não só incluiu um cover de "I Shot The Sheriff" no seu álbum de rehab "461 Ocean Boulevard" — gravado depois de 3 anos de dependência de heroína  —, como também o lançou em single. A versão de Clapton atingiu o primeiro lugar nos Estados Unidos e acabou por alavancar a difusão da música de Bob Marley e do Reggae no mercado americano.

8. GNR — "Bellevue" (1986)



O homicídio como misericórdia.

Se o homicídio em "Bellevue" não é um acto altruísta, é pelo menos inofensivo, ou não fossem as vítimas desempregadas. Que diferença fazem eles à sociedade? — desculpa-se o protagonista imaginado por Rui Reininho, pelos corpos que deixou a boiar no lago "só para brincar ao cinema negro". Sem mais amigos de sobra, todos enterrados no jardim, o homicida esconde-se solitário na Bellevue, encarcerado na sua própria prisão.

Muito curioso perceber que a referência aos "amigos enterrados no jardim" constante da letra original (e reproduzida na primeira prensagem de "Psicopátria") foi alterada à última hora na gravação do tema para "as minhas amiguinhas lá no jardim", que é a linha que se ouve na versão do álbum. Talvez os GNR achassem que a letra estava demasiado mórbida. E estava mesmo. Exactamente por isso é que era melhor.

Foto do LP original de "Psicopátria" cortesia de Paulo Garcia, radialista da Radar FM

7. Peter Gabriel — "Family Snapshot" (1980)



O homicídio como espectáculo.

Peter Gabriel escreveu "Family Snapshot" com base no livro "An Assassin's Diary" de Arthur Bremer (1973), um homem que vivia obcecado com a ideia de se tornar uma celebridade a qualquer custo. Inspirado pelo assassinato de John F. Kennedy em 1963, Bremer planeou o homicídio de Richard Nixon como a forma mais fácil de se tornar famoso e só quando percebeu que tal seria extremamente difícil (Nixon era o presidente dos EUA na altura), mudou o seu alvo para George Wallace, político que defendia a segregação racial.

Bremer pretendia obter a maior cobertura mediática possível, pelo que temporizou o ataque de forma a aparecer nos jornais da noite na Europa e de fim de tarde nos Estados Unidos. Chegou até a pensar num soundbite para gritar enquanto atirava em Wallace — "A penny for your thoughts!"—, mas com o nervosismo do momento, esqueceu-se.
Wallace sobreviveu, mas ficou com uma bala alojada na coluna e por isso paraplégico para o resto da vida.

"Family Snapshot" acompanha o carrossel emocional do assassino, desde a frieza durante o planeamento do ataque, passando pelo turbilhão nervoso no momento do tiroteio, até à depressão pós-clímax, em que se apercebe que tal como quando era criança, só queria ter a atenção dos outros.

6. Talking Heads — "Psycho Killer"



O homicídio como desporto.

"Psycho Killer" não é propriamente um tema sobre um homicídio. É sobre muitos. Aqui, o foco de David Byrne é o próprio homicida, um sociopata que age em regime compulsivo. É um dos raros temas que nos conduz à mente tensa, turva e elíptica de um serial killer.

"Psycho Killer" é uma canção nervosa, ansiosa e psicótica; um clássico de culto que se tornou o ex libris dos Talking Heads. Não admira por isso que fossem a banda preferida de Patrick Bateman de "American Psycho" (infelizmente esta informação só aparece no livro e foi omitida no filme de Mary Harron).


5. Nirvana — "Where Did You Sleep Last Night" (1994)



O homicídio como alienação.

"Where Did You Sleep Last Night" tem origem num tema muito antigo. "In The Pines" é um clássico do cancioneiro norte americano que remonta a 1870 (!!!) e que em diferentes iterações ao longo das décadas (dos séculos!) conta a história de um/uma amante (depende do sujeito) que se portou mal aos olhos do protagonista e de um marido/mulher cuja cabeça foi encontrada ao volante de um carro e o corpo nunca foi encontrado. Independentemente dos detalhes da história, o importante são as emoções obscuras de alienação, traição e culpa, sentidas pelo protagonista. Todas elas estavam próximas de Kurt Cobain aquando da interpretação que vemos em cima, no programa Unplugged da MTV.

Até eu — longe de ser o maior fã dos Nirvana — sou tomado pela intensidade de Kurt Cobain neste tema. Atentem no Kurt aos 4:15 deste vídeo. É um olhar que vale por mil palavras.


4. Elton John — "Ticking" (1974)



O homicídio como massacre.

Bernie Taupin viu em Elton John o parceiro ideal para musicar as histórias de bandidos saídas do seu imaginário. Os exemplos ao longo dos anos foram inúmeros, mas destaco "The Ballad of Danny Bailey (1909-34)" (1973), obra-prima maior de Elton que conta a história da (curta) vida errante de um pistoleiro no faroeste americano e "I Feel Like a Bullet (in the Gun of Robert Ford)" (1975), que compara o comportamento de Bernie no seu casamento à bala fatal que atingiu pelas costas o fora-da-lei Jesse James. Qualquer um destes temas seria candidato a esta lista, mas nenhum deles retrata um massacre como "Ticking".

"Ticking" é um épico que conta detalhadamente a história de um jovem calmo de classe média e boas notas na escola ("an extremely quiet child"), que um dia se passa da cabeça, entra num bar em Queens (NY) com uma caçadeira e mata toda a gente lá dentro. Uma história do imaginário de Taupin em 1975, mas que poderíamos ver nas notícias a qualquer momento nos dias de hoje.


3. Rage Against The Machine — "Killing In The Name" (1992)



O homicídio como ódio.

Não há nada de imaginário acerca do tema mais célebre dos Rage Against The Machine. "Killing In The Name" é sobre o inexplicável espancamento do taxista afro-americano Rodney King por 4 polícias da LAPD em 1991, os quais foram absolvidos em julgamento apesar das provas em vídeo. Quando as imagens foram parar às televisões, a revolta popular foi de tal ordem que se deram violentos motins em Los Angeles.

Os Rage Against The Machine (que no nome dizem logo ao que vêm) canalizaram esta revolta em música e o resultado é o superlativo "Killing In The Name". O tema teve várias vidas desde o seu lançamento original em 1991 e em 2009 lideraram a icónica Christmas Chart do Reino Unido, devido a uma campanha no Facebook destinada a impedir o single do X-Factor de ser nº 1 no Natal.


2. Pink Floyd — "Careful With That Axe, Eugene" (1969)



O homicídio como arte.

"Careful With That Axe, Eugene" é provavelmente o melhor tema de sempre sobre homicídio. Ou não. Fuck knows. Não sei eu e na verdade ninguém sabe o que em nome de Freddie significa este Mauna Kea psicadélico. Mauna quem? Mauna Kea, amigos, Mauna Kea — o ostracizado vulcão havaiano que é, ele sim, a montanha mais alta do mundo (isto é, que tem a maior distância altimétrica entre a base e o topo (10.2 km), em oposição ao popular rei-do-baile Monte Evereste, que é simplesmente a montanha de maior altitude (8.85 km) — e ora aí está um pouco de trivia para os meus pacientes leitores).  Mas porquê o Mauna Kea? Porque é hipster? Claro, mas mais que isso porque é um vulcão. E "Careful With That Axe Eugene" é um vulcão muito, muito zangado, que entra em erupção sempre que apertam os tomates ao nosso Roger o nosso Roger manda um daqueles gritos maníacos para dentro (já repararam? ele grita para dentro!), logo a seguir a suspirar "careful... careful... wi-that-axe Eugeeeeene". Mas divago.

A metáfora da montanha pretendia descrever a estrutura Gaussiana do tema, começando na calmaria aquática das profundezas do Pacífico, subindo paulatinamente até ao momento do homicídio — aquando do grito de Roger — e depois afundando novamente até ao silêncio absoluto do oceano. Estruturalmente, "Careful With That Axe Eugene" é perfeito. Só não é certo que o tema retrate mesmo o homicídio do pobre Eugene, não sendo conhecido (e ainda bem) o real significado do tema mais misterioso e intenso da discografia dos Pink Floyd. Não há aqui qualquer palavra discernível, só o grito maníaco da morte.


1. Nick Cave and the Bad Seeds + Kylie Minogue — "Where The Wild Roses Grow" (1995)



O homicídio como o epítome do romantismo.

"Where The Wild Roses Grow" conta a lenda de Elisa Day, de quem se dizia que era tão bonita como as rosas silvestres que cresciam à beira do rio. É uma história de amor que acaba com a morte de Elisa, porque "toda a beleza deve morrer". A supressão da vida como a expressão máxima da paixão. Um sentimento tão grande que a vida não pôde conter. Ou haverá algo mais visceral que o homicídio?

O tema de Nick Cave (a fazer de assassino, com Kylie Minogue a fazer de Elisa) é uma história de amor com fim trágico... ou será que é? Falta contar o outro lado da história. Elisa vivia infeliz. Ela esperou toda a vida por um amor torrencial, mas estava condenada a ser tratada como um bibelot por homens que viam nela um mero troféu. "I wish I was scared that you killed me, but I guess that will never happen." — pensou tantas vezes com antigos namorados. Quando finalmente chegou à cidade um homem que a amava com toda a intensidade que sempre sonhara, ela não se assustou quando o viu com uma pedra na mão e lhe sussurrou "all beauty must die". Elisa respondeu com a calma de quem sente um amor maior que a vida — "You can murder me if you want" — e deixou pacificamente que ele esmagasse a sua cara à beira rio, onde o seu fantasma vive desde então.


25-11. Menções honrosas

15 temas que não entraram na lista, mas poderiam ter entrado.

25. Sufjan Stevens — "John Wayne Gacy Jr." (2005)
24. The Decemberists — "Shankill Butchers" (2006)
23. The Police — "Murder By Numbers" (1983)
22. Richard Marx — "Hazard" (1991)
21. Tom Waits — "Murder In The Red Barn" (1992)
20. Bob Dylan — "Hurricane" (1976)
19. The Smiths — "Suffer Little Children" (1984)
18. Bauhaus — "Bela Lugosi's Dead" (1979)
17. Johnny Cash — "Folsom Prison Blues" (1957)
16. The Beatles — "Maxwell Silver Hammer" (1969)
15. Pearl Jam — "Jeremy" (1991)
14. Bruce Springsteen — "Nebraska" (1982)
13. Neil Young — "Powderfinger" (1979)
12. Misfits — "Die Die My Darling" (1984)
11. Eminem ft. Dido — "Stan" (2000)

Para finalizar, uma playlist com o serviço completo. É muita morte junta.
Feliz Natal, madafacas.

sábado, 16 de dezembro de 2017

A melhor música de 2017



Chegámos àquela altura do ano. Listas, listas e mais listas. Adoro. Sabem o que ai vem, por isso não vos vou fazer perder tempo. Sem mais demora, eis a lista daqueles que foram — considerados por mim — os melhores álbuns de 2017. E no fim uma playlist para ouvir tudo de uma vez.

10. Neil Young — "Hitchhiker"


Será que um álbum que foi gravado há mais de 40 anos (1976), mas lançado apenas em 2017, conta para as contas de melhor álbum no ano em que finalmente foi editado? É um dilema recorrente em artistas como Neil Young e Bruce Springsteen, adeptos de guardar na gaveta algumas das suas melhores pérolas durante longos períodos de tempo. No ano passado, tive uma dúvida semelhante com "The Gouster" de David Bowie e este ano com "Man Of War" dos Radiohead — o melhor tema de 2017, mas gravado em 1997 (com faixa vocal de 2017?).

Seja de que forma olhemos para "Hitchhiker", o resultado da análise será sempre superlativo. Seria um grande álbum se fosse lançado em 1976 e é igualmente saindo em 2017. Gravado numa única noite de lua cheia no Verão de 1976 (Neil insistia em gravar em noites de lua cheia), nos estúdios de Indigo Ranch em Malibu, "Hitchhiker" materializa em disco um momento mágico em que a interpretação imaculada e um lote de canções inatacável são somados.

A maioria das canções foi lançada em diferentes álbuns ao longo dos anos, com excepção de "Give Me Strength" e do maravilhoso "Hawaii" (como é que é possível?); o próprio tema-título — "Hitchhiker" — só apareceu em 2010, no álbum "Le Noise". Mas não pensem que o facto de já conhecermos a maioria das canções torna "Hitchhiker" irrelevante. O álbum apresenta versões definitivas de todos os seus temas, salvo "Powderfinger" e "Pocahontas" — ambas regravadas em 1979 para "Rust Never Sleeps".

Melhor momento: O falsetto em "Hawaii"iiiiii.


9. Mount Eerie — "A Crow Looked At Me"


É possível que nunca tenham ouvido falar nos Mount Eerie. Eu também não, até este ano. Um pouco de contexto então: os Mount Eerie são o projecto musical do músico e produtor Phil Elverum, que contou com diversos colaboradores ao longo dos anos. Entre eles, a sua mulher Geneviève Castrée, que participou em quatro álbuns da banda. Em Julho do ano passado, Geneviève morreu com um cancro no pâncreas, um ano a seguir ao diagnóstico. Phil foi atirado contra a brutalidade dos acontecimentos com uma única defesa: a música.

Menos de um ano volvido, chega-nos um novo álbum dos Mount Eerie, com o relato cronológico do processo de luto de Phil Elverum. E é brutal. Não é aquele brutal de quando saímos do cinema depois de uma reposição do "Blade Runner" e dizemos "ei, foi brutal!". Não. Isto é brutal no sentido bruto da palavra. É dor transformada em arte (embora o própria diga que tal é impossível) e é de partir o coração: "I don't want to learn anything from this, I love you".

Melhor momento: O niilismo de "Real Death".


8. VA — "Twin Peaks: Limited Event Series Original Soundtrack" / "Music from the Limited Event Series"



Vou ser o mais directo possível. As melhores coisas que aconteceram no mundo em 2017 foram o Tetra do Benfica, o "The Legend Of Zelda — Breath Of The Wild" para a Nintendo Switch e a terceira série de "Twin Peaks". Quaisquer palavras são parcas para descrever a experiência quimérica daquelas 18 horas de televisão, algo nunca antes visto e dificilmente repetível.

Para lá das dimensões filosóficas e visuais da série, também a música assume um papel fundamental, tanto na narração da história, como no fecho de cada capítulo da mesma. Isto porque a série é na verdade um longo filme de 18 horas, dividido em 18 partes de uma hora. Os marcadores que separam cada um dos capítulos são performances ao vivo na Roadhouse. A quantidade de música nova que David Lynch deu a descobrir na série é assombrosa, pelo que foram lançadas duas bandas sonoras para cobrir todo este espectro: "Twin Peaks: Limited Event Series Original Soundtrack", uma banda sonora mais tradicional e "Twin Peaks: Music from the Limited Event Series", com maior foco nos temas apresentados na Roadhouse. Ambos essenciais.

Melhor momento: A sombria versão instrumental de "Saturday" pelos Chromatics, superior à versão original de Johnny Jewel com lírica, incluída no seu álbum "Windswept".


7. Cigarettes After Sex — Cigarettes After Sex"


Os Cigarettes After Sex já andavam a prometer um álbum há vários anos; há 5 mais precisamente, altura do lançamento do seu primeiro EP — "I.". Desde então, o momentum da Dream Pop oscilou vigorosamente depois da sua expansão no início da década e já está longe do lugar de proa conquistado por discos como o homónimo dos The xx (que também tiveram novo trabalho este ano, mas abaixo das expectativas). Depois de vários singles dispersos ao longo dos últimos anos, os Cigarettes After Sex deram-nos finalmente o seu primeiro long play em 2017 e não desapontaram. O que não significa que nos dessem algo diferente do que esperávamos. Pelo contrário.

Se alguma coisa pode ser dita contra o álbum de estreia dos CAS é que é um disco de um mood só e só de um mood. Mas esses presumíveis desdéns podem ser vistos como virtudes por quem procura simplesmente um álbum introspectivo, ambiental e pacífico. Um álbum ao mesmo tempo vagaroso e poderoso. O disco descolou da pequena pista da banda texana e voou para alturas bem acima da dimensão do grupo, algo bem patente no concerto do Mexefest há poucas semanas. À imagem dos The xx, seguir-se-á o inevitável disco irrelevante dentro de dois anos.

Melhor momento: O riff de "K." que abre o álbum e estabelece o mood.


6. Slowdive — "Slowdive"


Entre muitas coisas, 2017 foi o ano da "second coming" do Shoegaze. E faz todo o sentido que assim seja. Numa altura em que há uma demanda por sonoridades cheias, projectadas em formato IMAX, o Shoegaze assenta que nem uma luva neste nicho do mercado.

Tivemos assim o regresso dos Ride — que voltaram a contar com Andy Bell, depois de 18 anos a colaborar com os irmãos Gallagher — e mais importantemente, vimos os Slowdive aterrar com um álbum astronómico, um dos melhores dreamies dos últimos anos. "Star Roving" é uma das grande malhas do ano.

Melhor momento: "Star Roving" a levar-nos às estrelas.


5. IDLES — "Brutalism"



Em tempos de incerteza, os IDLES trazem-nos carnificina concisa. Em tempos de mentira, os IDLES trazem-nos honestidade. Em tempos de Photoshop e body shaming, os IDLES trazem-nos uma barragem visceral de bílis alegre e jovial. Não são palavras minhas, são retiradas (e traduzidas) do site da banda, mas nem por isso deixam de ser a perfeita descrição do primeiro álbum da banda de Bristol, depois de "Welcome EP" (2012) e do "Meat EP" (2015). "Brutalism" é feroz, visceral e sucinto.

O impacto dos IDLES na cena underground não é de somenos. Numa das melhores (e mais deliciosamente exageradas) reviews que li este ano, o crítico descrevia o álbum de estreia da banda como a soma de "Never Mind the Bollocks, Here's the Sex Pistols", "It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back" (Public Enemy), "Fresh Fruit For Rotting Vegetables" (Dead Kennedys) e "Bad Brains", tudo ao mesmo tempo. Embora a descrição tenda muito para o lado da hipérbole (e eu adoro reviews desavergonhadamente hiperbólicas) e beneficie do marasmo em que vive a up-and-coming cena Rock em 2017, já dá para perceber o entusiasmo gerado pelos IDLES.

Melhor momento: O furioso "Mother", tema sobre a falecida mãe do vocalista Joe Talbot... e os Tories.


4. The War On Drugs — "A Deeper Understanding"


O novo dos The War On Drugs (que é o mesmo que dizer, de Adam Granduciel) era um dos discos mais esperados de 2017. O lançamento do épico "Thinking of a Place" no Record Store Day de Abril antecipava algo em grande e felizmente que as expectativas não foram defraudadas. "A Deeper Understanding" é um grandíssimo álbum e um grandíssimo candidato a álbum do ano. É certamente um dos mais sólidos — entra forte em "Up All Night" e mantém a bitola lá em cima até ao fim.

Cosendo texturas com as mesmas linhas do anterior "Lost In A Dream", o novo álbum dá uma sensação de continuidade na discografia dos The War On Drugs, como se de uma única música de 2 horas se tratasse. Este mesmismo funciona como um pau de dois bicos — por um lado, oferece conforto e segurança ao ouvinte; por outro, não oferece nada de novo. Porque sejamos sérios: a verdade é que The War On Drugs são tão variados como os AC/DC. Not that there's anything wrong with it. É o que é. Eu também passo o Verão inteiro a comer sardinha e o Inverno a comer bitoque e nunca me canso.

Melhor momento: O glorioso glockenspiel roubado a "Born To Run" de "Holding On". Tema do ano?

3. Roger Waters — "Is This The Life We Really Want?"


Uma esmagadora surpresa. Não devem encontrar o novo álbum de Roger Waters em muitas listas de final do ano e isso deve-se a duas razões: 1. Estamos em 2017 e Roger Waters já não é um artista relevante há quase 40 anos; 2. A maior parte do público não ouviu ou não prestou a devida atenção a "Is This The Life We Really Want?" devido à razão número 1.

Como toda a gente, também eu não tinha grandes expectativas para o novo disco de Roger. Mas acabou por ser uma das grandes obsessões deste ano. Para lá da visão niilista da vida e do mundo, "Is This The Life We Really Want?" é um exercício de introspecção implacável. Roger despe-se por completo, olha para dentro e escava a fundo em si mesmo. Nu e cru. Sem medos. E desta vez, não é só a interminável saga do pai que morreu na guerra; é o próprio Roger que morreu por dentro e quer falar sobre isso. Este é o álbum mais pessoal de toda a sua carreira e se eu tivesse que apostar, diria que só chegou agora, porque só agora é que Roger aprendeu a olhar para dentro. Um disco intenso e extenuante, dissecado aqui.

Melhor momento: A intensa trilogia que fecha o álbum — "Wait For Her" / "Oceans Apart" / "Part Of Me Died" — tão pessoal, que chega a ser desconfortável.


2. Ryan Adams — "Prisoner"


"If loving you is wrong, I am a criminal. I am a prisoner for your love." é talvez a melhor linha que eu ouvi este ano. É simples, tão simples que arranha o lugar-comum, mas tão certeira. E não é assim que nasce a melhor Pop?

As canções de "Prisoner" foram escritas na ressaca do divórcio de Ryan Adams com a actriz Mandy Moore. Na altura, em vez de se enclausurar para escrever e gravar esses temas, Ryan preferiu lidar com a separação através da desconstrução de "1989" que, tal como toda a música que Ryan escrevia na época, também é sobre amor perdido e corações partidos.

Prisoner" é um álbum pejado de canções de amor (e falta dele), obrigatório para quem vive as canções Pop como o Tom do "500 Days Of Summer". Esteve "assim" do galardão de álbum do ano (o álbum foi dissecado aqui), mas acabei por me deixar ir para onde me mandou o meu coração. E o meu coração mora em Manchester.

Melhor momento: "If loving you is wrong, I am a criminal.". Tudo dito. E não esquecer o álbum de B-Sides com 17 (!!!) faixas bónus.


1. Liam Gallagher + Noel Gallagher — "As You Were" + "Who Built The Moon?"


Tenho a perfeita noção de quão polémica arrisca a ser esta escolha. Não é segredo para ninguém que sou um apaixonado dos Oasis e dos irmãos Gallagher. Sim, sou um Parka Monkey. Prendam-me. Este ano cobri extensivamente o regresso glorioso do "nosso miúdo" (RKid para os fãs dos Oasis) Liam Gallagher, as bulhas com o mano mais velho, a crise de meia-idade de Noel, bem como o seu ambicioso álbum novo. Não há aqui sequer qualquer tentativa de imparcialidade — se estamos num ano em que um dos manos Gallagher lança um álbum, é muito provável que ele apareça no meu top. Ora, 2017 viu não um, mas dois álbuns dos manos — "As You Were" de Liam e "Who Built The Moon?" de Noel. E não poderiam ser mais diferentes.

A pergunta óbvia é qual deles o melhor. É óbvia, mas não é a pergunta correcta. Porque ambos se complementam. Algures entre "As You Were" e "Who Built The Moon?" está o álbum do ano. Pensem nestes discos como dois volumes da mesma obra, duas faces da mesma moeda. Liam tem as melhores canções, Noel tem a melhor produção. Liam tem o foco, Noel tem a ambição. Liam tem as melhores partes, Noel tem o melhor todo. Entre os dois, está o balanço perfeito entre canções e produção, atmosfera e atitude. E se Noel passou o ano a ser um idiota, não estou a ver nada que o irrite mais a ter que partilhar o primeiro lugar com mano mais novo. As you fucking were.

Melhor momento: O sincero e comovente pedido de desculpas de Liam em "For What It's Worth".


11-20. Menções honrosas

20. Brand New — "Science Fiction"
19. The Orwells — "Terrible Human Beings"
18. Spoon — "Hot Thoughts"
17. Morrissey — “Low In High School”
16. LCD Soundsystem — "American Dream"
15. Kaitlyn Aurelia Smith — "The Kid"
14. Waclaw Zimpel / Jakub Ziolek — "Zimpel / Ziolek"
13. Ride — "Weather Diaries"
12. Kurt Vile / Courtney Barnett — "Lotta Sea Lice"
11. Destroyer — "Ken"


Faixa bónus: as melhores canções

E para completar a resenha de 2017, fiquem também com a lista das 20 melhores canções do ano, com direito uma playlist com tudo incluído no fim. Maravilha.

20. Cloud Nothings — "Enter Entirely"
19. The Orwells — "Put The Body In The Bayou"
18. Queens Of The Stone Age — "Feet Don't Fail Me"
17. IDLES — "Mother"
16. Destroyer — "Tinseltown Swimming In Blood"
15. LCD Soundsystem — "Emotional Haircut"
14. Noel Gallagher's High Flying Birds — "The Man Who Built The Moon"
13. Morrissey — "Spent The Day In Bed"
12. Slowdive — "Star Roving"
11. The Weeknd — "Secrets"

10. Ride — "Home Is A Feeling"
9. Brand New — "Lit Me Up"
8. Kurt Vile / Courtney Barnett — "Over Everything"
7. Tears For Fears — "I Love You But I'm Lost"
6. Foo Fighters — "Run"
5. Neil Young — "Hawaii"
4. The War On Drugs — "Holding On"
3. Ryan Adams — "Prisoner"
2. Liam Gallagher — "For What's It Worth"
1. Radiohead — "Man Of War"