segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Da mente de Kevin Parker, para as pistas de dança. Valeu a pena a viagem?

Uma viagem pelo arco discográfico dos Tame Impala



Se estão a ler esta crónica, sabem quem é o Kevin Parker e quem são os Tame Impala. Sabem que eles estiveram no Paredes de Coura e que foi um vê-se-te-avias para arranjar bilhete. Sabem também que eles têm um novo álbum e que o mesmo marca uma saída do Rock psicadélico, para um registo mais electrónico e dançável. Isto já foi escrito por dezenas de publicações musicais e restantes entendidos e vocês já estão fartos de saber. Mas... E então? Será que a migração foi bem sucedida? A narrativa da "evolução sónica da banda" pode fazer-nos crer que sim, que qualquer coisa nova seja uma coisa boa. Não necessariamente.

"Innerspeaker" em 2010, "Lonerism" em 2012, "Currents" em 2015. São estes os três pontos que em 5 anos definem o primeiro arco discográfico dos Tame Impala. "Lonerism" foi um dos álbuns da década e em "Apocalypse Dreams", os Tame Impala tocaram no céu. Ao terceiro álbum, chegam as pistas de dança. Não é a primeira vez que artistas Rock decidem fazer esta viragem para as bolas de espelhos. Historicamente, os resultados são tão díspares como as polémicas que tais mudanças implicam. David Bowie fez os seus melhores álbuns em meados dos anos 70 ("Station To Station", "Low" e "Heroes") quando começou a respirar os ares da electrónica alemã. Os Queen foram fuzilados pela crítica quando desceram aos bares gay noviorquinos nos early 80s e de lá trouxeram a Disco para o álbum "Hot Space". Os Pink Floyd também levaram a Disco para "Another Brick In The Wall Pt.2", mas desta feita com sucesso retumbante. Cada caso é um caso. E o caso dos Tame Impala não é particularmente bem sucedido.

Calma. Guardem lá as pedras, pelo menos para já. Kevin Parker provou que se pode gravar um disco dançável sem vender a alma ao diabo, como fizeram os Coldplay. "Currents" está longe de ser um álbum vulgar e é facilmente um dos melhores do ano. Quando é bom, é mesmo muito bom. Mas podia ser muito melhor do que é. "Currents" empalidece ao lado de "Lonerism" e não é por ser mais dançável, é porque naquilo que é, não é especialmente brilhante. Mas esse era o preço do risco assumido na mudança de direcção. Há uma certa esquizofrenia em "Currents" que torna a sua digestão um caso sério de dispepsia sonora. Temas como "Love/Paranoia", "Past Life", ou "Yes, I'm Changing" são difíceis de mastigar, aborrecem-me e não me deixam a viajar na minha própria mente como faziam "Solitude Is Bliss" ou "Be Above It".
Para alimentar esta confusão, é curioso perceber que o melhor deste álbum aparece quando Kevin Parker carrega mais na bola de espelhos: "The Less I Know The Better", "Disciples" e "'Cause I'm A Man" são pequenas gomas Pop viciantes que podiam ter saído de qualquer um dos álbuns de Michael Jackson nos anos 80. E agora faço uma pausa para se aperceberem da magnitude de uma coisa destas. (...) Como disse em cima, quando "Currents" é bom, é muito bom. Mas nem sempre é bom.

Há semanas que "Currents" não sai do meu Spotify e alguma coisa isso quererá dizer. Mas não consigo deixar de pensar que os Tame Impala perderam aqui algum do seu quê de especial. O álbum divide opiniões e dividiu-me a mim também e se notam alguma esquizofrenia nesta análise, isso só reflecte o meu sentimento ao ouvir este álbum. "Currents" é bom, mas ainda é "Lonerism" o prato forte dos Tame Impala. Com a viragem às pistas de dança, os Tame Impala deixaram de ser excelentes e passaram a ser apenas muito bons.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

O ouvinte tem sempre razão

Mas tem mesmo?


O ouvinte tem sempre razão? Não. Mas claro que não! Ou é preciso recordar que os Aqua foram #1 em todo o mundo em 1997 com "Barbie Girl"? Ainda alguém se lembra do Crazy Frog? E do Scatman John? E do R. Kelly? Ah ok, desse lembramo-nos por causa daquela cena chata da pedofilia.

Este fim-de-semana aconteceu o maior festival português na Zambujeira do Mar e, acreditem, eu queria ficar calado. A sério, juro que queria. Mas a quantidade de fezes que foi atirada na defesa desta nova ideia de 'festival de Verão' não me deixa ficar calado.

Outras vozes já se expressaram devidamente. As minha preferidas foram a de João Quadros, no Twitter: "Ainda assim: cartaz do PS > cartaz do Sudoeste" (tão bom) e a de João Pedro Rodrigues, no Facebook, um membro da "tribo" (parabéns ao génio publicitário que inventou este conceito) que avaliou o festival com 5 estrelas, comentando de forma assertiva: "epah mais um ano a partir aquela merd* toda !!! O cartaz é fatela Ya, mas o que conta com é o espírito !!!". Meus amigos do Sudoeste, quando um dos membros mais fervorosos da vossa tribo apelida o cartaz de "fatela Ya", eu acho que não preciso de entrar em cena com adjectivação adicional. O trabalho está feito.

Mas depois vieram as fezes.

Dizem-me que é a evolução, que a música nova irrita sempre as gerações mais velhas e que assim é que deve ser. Certo. Mas o quando o Dylan ligou a guitarra eléctrica no Newport Folk Festival em 1965 e chocou uma audiência que esperava um espectáculo acústico, ele não se limitou a carregar num botão para tocar hits da década anterior, nem começou a atirar bolos à audiência. Tocou a música dele AO VIVO, foi REAL.
E quando os Sex Pistols abriram a distorção e cuspiram no público dos bares suados da Grã-Bretanha de 1976, ainda era música AO VIVO que saía das colunas, por muito desafinada que fosse. Era REAL (excepto quando o Sid Vicious não ligava o baixo, aí era mesmo só cuspo).

Dizem-me que isto é "música do meu tempo" e que o meu tempo já passou. Música do meu tempo? Eu nasci nos anos 80 e as minhas bandas preferidas são dos anos 60 e 70. Moldei o meu gosto porque o meu Pai me deu a conhecer música e eu ganhei curiosidade para procurar mais. Os jovens ouvem aquilo que lhes dão e se eles gostam de caca é porque só lhes deram caca, dia após dia, após dia, e eles não conhecem outra coisa. Isto é só mais um capítulo do livro dos nossos tempos "Ausência dos pais em casa". Os miúdos não precisam de gostar dos Beatles nem dos Stones, mas convém conhecê-los, como parte da História e da Cultura que eles são. Não conhecer os Beatles é tão grave como não saber quem foi Hitler. E aposto que muitos não conhecem nenhum deles.

Dizem-me que que a geração mais nova gosta de volume e de graves e não quer saber do conteúdo. Certo. Mais uma vez, gostam disso porque é aquilo que lhes dão. É fácil. É anestésico. É acéfalo. Dá para desligar facilmente e assim dar atenção às babes que passam e à selfie que se tira.

Dizem-me frases feitas numa linguagem torpe de políticos, que normalmente antecede a sentença "e por isso vamos ter que aumentar os impostos". Mas esquecem-se de falar no desinvestimento. Porque aí é que reside a explicação. Querem uma ideia do que estamos a falar? Eu dou. Uma pesquisa rápida no Google revela-nos que Calvin Harris — talvez o nome mais caro do SW — cobra aproximadamente 500 mil euros por actuação. Dando um exemplo de outro cabeça de cartaz deste ano, os Muse cobram perto de 850 mil euros para dar um concerto. Pois. E se olharmos para o volume do cartaz? "Fatela Ya", como diz o João Pedro. Ou apenas o fruto do desinvestimento.

Dizem-me coisas em tom paternalista, de gente bem intencionada que acha que temos que "ser razoáveis" para com o festival e os seus organizadores e patrocinadores, "ser razoáveis" para com a vertigem do lucro. Mas isto é música. Desde quando é que temos que "ser razoáveis" para com a arte? Foi a isto que chegámos? Não é na música que devemos procurar a pureza? Pelo menos foi isso que a música do meu Pai me ensinou.

Não, o ouvinte não tem sempre razão. Como em todas as culturas, é preciso educar para colher frutos. Se educarem os miúdos com caca, eles vão ouvir caca. E caca é muito mais barato. Já aqui o escrevi: há demasiadas coisas medíocres na nossa vida, a música não pode ser uma delas.


Artigo publicado originalmente neste link,
na revista online New In Town (NiT), 
Terça-Feira 11 de Agosto de 2015

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O novo filme de James Bond e a pergunta do milhão de euros

Quem se seguirá a Adele? E quem devia seguir? Tudo aqui.



Sou fã acérrimo da saga de James Bond. Desde que joguei o mítico "Goldeneye 007" na Nintendo 64 e depois fui ao cinema ver o Pierce Brosnan fugir a um helicóptero numa mota pelos telhados de Ho Chi Minh em "Tomorrow Never Dies", que fiquei agarrado. Os filmes não são o que podemos chamar de intelectualmente exigentes, mas oferecem a fantasia (aquele início do "Goldeneye" é a ficção e a perfeição em doses iguais) e a acção que preciso para me alienar do marasmo de um quotidiano sem explosões, nem Aston Martins, nem a Eva Green. Mas apesar de gostar dos filmes, o que me move mesmo na saga do espião inglês é a música, mais precisamente os temas do genérico de cada filme. Arrisco dizer que nenhuma outra saga está tão bem representada neste capítulo como a de James Bond.

Se têm dúvidas, ouçam a compilação "The Best of Bond...James Bond" (qualquer uma delas, embora eu prefira a ordem da compilação de 2002) e tirem as vossas conclusões. É malha atrás de malha, numa enxurrada impressionante. Desde as várias versões do clássico "James Bond Theme", originalmente composto por Monty Norman em 1962 para "Dr.No", passando pelo drama de "Goldfinger", a intensidade de "Thunderball", a saudade de "From Russia With Love", a candura de "Nobody Does It Better", a Pop de "A View To A Kill" e até algum refugo como "Diamonds Are Forever" (o José Castelo Branco destruiu para sempre este tema para mim, quando o vi cantá-lo vestido de mulher na televisão. Porra. Vade retro). Tendo em conta que a saga acompanhou a cultura popular desde os anos 60, o leque de artistas que já contribuiu para os filmes é vasto e representativo do mainstream de cada década: Shirley Bassey nos anos 60, Paul McCartney nos 70s, Duran Duran nos 80s, Sheryl Crow nos 90s, Jack White 00s e Adele 10s. Há espaço para tudo.

Agora que estamos a poucos meses da chegada de "Spectre", fica a questão do milhão de euros: quem vai cantar o tema do próximo filme de James Bond? Bem, um milhão de euros não sei, mas vale pelo menos 15 mil libras, quantia que um apostador pôs nos Radiohead esta semana, levando à suspensão das apostas. Das duas, uma: ou o cavalheiro sabia de alguma coisa que nós não sabemos, ou então é um fã dos Radiohead sem grande amor ao dinheiro. E nós já sabemos como é com os fãs dos Radiohead: o melhor é não os contrariar.

A lógica dita que a resposta à grande pergunta esteja algures nas tabelas dos últimos anos. Os rumores mais fortes indicavam primeiro Sam Smith, depois Ellie Goulding e agora Radiohead. A resposta deve morar aqui. Também já se falou no Kanye West (por favor não, vamos manter o Bond classy), Ed Sheeran (pior ainda, ele quanto muito devia fazer a banda sonora dos Teletubbies) e até no Noel Gallagher (seria bom, mas duvido muito), mas essas são hipóteses mais remotas.

A minha aposta entre o trio dos preferidos seria (de longe) os Radiohead. É interessante pensar na voz de Thom Yorke à frente da frota de trompetes que costuma acompanhar os temas de Bond. E basta recordar o que eles fizeram com "Nobody Does It Better" para ficar com água na boca.

Mas a minha preferência pessoal não recai em nenhum dos anteriores.

O tema que apresenta um filme de James Bond precisa de ser explosivo, dilacerante e poderoso; precisa de nos pôr aos saltos no banco do cinema ainda antes do filme começar; precisa, por isso, da figura maior do rock musculado dos nossos dias. Mandasse eu na EON e subempreitava o tema de "Spectre" a Josh Homme e aos Queens Of The Stone Age. Fico com água na boca, só de pensar nas explosões no ecrã ao som das guitarras da banda californiana. E fazia mais: dava a banda sonora (que já foi entregue a Thomas Newman) a Trent Reznor, que tão bem tem tratado os filmes de David Fincher. E já que estamos com o balanço, aproveitava e dava o próximo filme ao próprio David Fincher. Mas talvez já me esteja a entusiasmar.

"Spectre" sai em Outubro deste ano, por isso já deve faltar pouco para saber a resposta à pergunta do milhão de euros. Fica a faltar-me só o Aston Martin. E a Eva Green.


Artigo publicado originalmente neste link,
na revista online New In Town (NiT), 
Segunda-Feira, 3 de Agosto de 2015