sábado, 29 de setembro de 2018

Andróide paranóico na Piccadilly Line

Quando a vida é demasiado parecida com um videoclip dos Radiohead.
Fitter, happier and more productive. A pig, in a cage, on antibiotics.

Há algo de condenatório em andar numa linha de metro sem rede de telemóvel. Não sei se é por ainda utilizar o número português e estar em permanente roaming, mas pareço ser o único na carruagem obrigado a ter que olhar para as pessoas à minha volta.

Nem sempre é assim. A caminho do trabalho, todos os dias apanho a District Line, a qual cruza Chelsea, o Tâmisa e Putney à superfície, por isso não preciso de prestar atenção a quem me rodeia. Mas a caminho de Camden para ver o Nick Mason dos Pink Floyd, fui obrigado a apanhar a Piccadilly Line e sem hipótese de habeas corpus do meu "eu" virtual, tenho que me fixar na realidade e tomar consciência de quem está à minha frente. Que seca.

Para agravar as coisas, não tenho acesso ao Spotify, nem à playlist temática que tinha preparado para aquecimento para o concerto. Vou entrar na venue a frio! Tenho por isso que me cingir as músicas gravadas no telefone. Shuffle com isto. A primeira que me aparece — "Exit Music (For A Film)", do majestoso "OK Computer", álbum que descreve a queda da nossa sociedade.

Levanto a cabeça e quando olho à minha volta, mal consigo acreditar na perfeição da minha vista para a banda sonora que tenho nos ouvidos. De pé, encostado ao fundo da carruagem, olho para dezenas de pessoas encafuadas em poucos metros quadrados, cada uma delas sozinha, dentro do seu mundo, a ouvir a sua playlist temática com um olhar vazio de morte, a mirar o nada ao fundo. Todas elas com os seus fones, trancadas na sua bolha, oblívias à presença das outras. Que momento perfeito. Parece que estou dentro de um vídeo dos Radiohead. Estou de fora, a olhar para dentro e o melhor de tudo, pareço ser o único a constatar a presença dos outros. Wait. Mas não estou eu próprio trancado na minha bolha? A ouvir Radiohead enquanto escrevo furiosamente este texto? Hum.

Em Piccadilly entra na carruagem um homem com uma deformação horrenda na cara. Em nome de Freddie, que raio é aquilo? Até me deu uma tontura a olhar para o gajo. Isto de estar consciente dos outros é uma ideia terrível. O que vale é que mudo de linha já a seguir, em Leicester Square.

À saída do metro, alguém me toca no ombro. Que nojo, alguém me tocou! Quem é que se atreve a rebentar a minha bolha e invadir o meu espaço? Viro-me para trás e era o senhor da batata na cara. Eu tinha deixado cair o meu cachecol e já lá ia, mesmo à Tarzan, para os 8 graus do Outono londrino, sujeito a agravar a minha constipação. Sorri para o senhor e agradeci-lhe o gesto. Começou a tocar outra vez "Exit Music (For A Film)".

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