quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Tears For Fears no Royal Albert Hall — Como pode música tão depressiva ser tão eufórica?

Crónica do concerto mais curto da minha vida

Foi tudo muito rápido. Num momento estava a virar pints no bar do Royal Albert Hall, ansioso que chegasse a hora do concerto e daí a nada, já estava a aplaudir a saída de Roland Orzabal e Curt Smith do palco, confuso com o facto de só terem tocado meia hora. Meia hora?! Então eu venho de Portugal para os ver e eles só tocam meia hora? Só que não foi bem assim.

Os Tears For Fears foram a Londres promover a nova compilação "Rule The World: The Greatest Hits" e tocaram durante 100 minutos para uma plateia ávida pela sua música. Foi o primeiro concerto dos TFF em nome próprio na Europa desde 2005 e no RAH, foi o primeiro desde 1985, ano em que nasceu este que vos escreve. O entusiasmo na plateia reflectia a saudade e a importância do momento. Já vi alguns concertos na minha vida (este foi o 200º) e poucas vezes vi uma reacção tão fanática por parte do público, a dançar e a cantar por cima de todos os códigos de etiqueta britânicos. Foi um verdadeiro Royal Happy Hall.

Da minha parte, este era "só" o concerto mais ansiado da minha vida. Partindo do princípio que a ciência não nos dará para breve a ressurreição do Freddie Mercury, de todas as minhas bandas de eleição, só os Tears For Fears me faltavam ver. E as expectativas — que não eram tímidas — voaram para a estratosfera. Lembram-se da "Get Psyched Mix" do Barney Stinson do "How I Met Your Mother"?
"Now, people think a good mix should rise and fall. But people are wrong! It should be all rise, baby! Now prepare yourselves for an audio journey to the white, hot center of adrenaline!"
Foi exactamente como o Barney descreveu. Em vez de uma sinusoidal de emoções, os Tears For Fears presentearam-nos com hora e meia de cabeçadas nos limites do êxtase. Qual é a banda que se atreve a começar um concerto com o seu maior hit? Os Tears For Fears, pois claro. Entraram em palco com "Everybody Wants To Rule The World" e daí até ao final com "Shout", foi sempre lá em cima (só não foi sempre a subir, porque já não havia mais para subir) com uma torrente de hits e deep cuts eufóricos. Porque é mesmo de euforia que se trata, quando falamos dos TFF. Tenho várias fotografias neste concerto que nunca poderão ser mostradas, porque estou com um sorriso tão idiota que parecia saído de uma excursão para ver o mar pela primeira vez. E isto a ouvir música sobre depressão e esgotamentos nervosos. Como pode música tão depressiva ser tão electrizante?

Desde a insanidade do primeiro single "Mad World" (tema de 1982 que teve segunda vida em 2003, quando foi o nº1 de Natal nas tabelas britânicas), passando pelo romantismo de "Head Over Heels" ("I wanted to be with you alone and talk about the weather"), ou pelo ecumenismo de "Sowing The Seeds Of Love" ("those fucking politics"). Sempre lá em cima. Mas não foram só os êxitos que fizeram o concerto; foram também os doces saídos das profundezas dos álbuns — "Secret World" (do fantástico "Everybody Loves A Happy Ending"), "Broken" (só com passagem instrumental) e "Memories Fade" (o momento mais intenso da noite); e a cereja no topo, o fenomenal cover de "Creep", de uma certa banda que em tanta coisa são os sucessores espirituais dos Tears For Fears.

O momento alto da noite surgiria no fim, com o épico jazzista-orgânico-progressivo "Badman's Song", deep cut do álbum "The Seeds Of Love" de 1989 que (dizem-me) durou 9 minutos, mas que quando terminou me fez pensar "Já?! Então mas isto não era suposto durar 9 minutos?". Para a noite ser perfeita, só faltou o feroz "Raoul And The Kings Of Spain", favorito dos fãs que Roland teima em não cantar. Faltou também o último single da banda "I Love You But I'm Lost", lançado para promover a compilação "Rule The World: The Greatest Hits" (que foi o que os TFF foram fazer ao RAH), mas inexplicavelmente ignorado na setlist. Que outra banda poderia dar um concerto para promover o lançamento de um single e não o tocar? Pois. Clássico trolling dos sempre elusivos Tears For Fears.

No fim, senti que foi o concerto mais curto da minha vida. Mas esse é um daqueles mistérios do tempo. Por que raio faz os bons momentos parecerem tão curtos e depois os estica na memória para a eternidade? Fuck knows.

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